quarta-feira, 16 de abril de 2008

Violada na platéia.

“- Billy, eu estou com medo!!
- Não fique! Eu estou nessa há muito tempo, acredite, não há nada com o que se preocupar. É tudo um circo. Um grande circo...Julgamentos, o mundo todo! É tudo show business. E você está nas mãos de um astro...”

Roxie Hart tinha, de fato, muitos motivos para estar com medo. Na cena que antecede os minutos antes do seu julgamento, o corredor da morte norte-americano tinha levado uma criminosa à forca. Contudo, o experiente e bem sucedido advogado Billy Flynn a tranqüiliza. O circo só assusta a quem não conhece o picadeiro. Estes personagens, bem como o pequeno diálogo que abre este texto, foram retirados do musical Chicago (2002). São recortes que ajudam a compreender um conceito que, em certa medida, o filme tenta, de forma bem humorada, nos apresentar, a saber, o de espetacularização.
Guy Debord, pensador francês do século XX, por um viés fundamentalmente marxista, desenvolveu o conceito de “Sociedade do Espetáculo” para definir uma nova forma de configuração social capitalista que coloca a representação como mais importante que as coisas em si. Em outras palavras, seria dizer que nosso tempo, prefere a imagem à coisa, a aparência ao ser, a representação à realidade. Evidentemente, o pessimismo de Debord tem sido reformulado e até contestado, mas a sua idéia central vem sempre à tona quando o assunto em pauta envolve os grandes meios de comunicação e uma parte da cobertura jornalística.
Pela cobertura jornalística ficamos sabendo que, por volta das 23:30 do dia 29 de março deste ano, numa rua de classe média da zona norte de São Paulo, Isabella Nardoni, 5 anos, caiu do sexto andar do prédio onde morava com o pai e a madrasta, que tornaram-se principais suspeitos do seu assassinato, tão logo se descobriu que a morte da menina não foi acidental. Desde então, o telespectador/leitor brasileiro tem tido cada vez mais detalhes a respeito da tragédia. O que parecia, à primeira vista, dor e luto para uma família, tornou-se, em duas semanas, comoção nacional. Entrevistas com vizinhos, com a cunhada, a prima em terceiro grau, a professora, os tios, a mãe, os legistas, os advogados e até com o caixa do supermercado onde a família esteve no dia do crime são disputadas como furo por telejornais ávidos por detalhes ainda ocultos das investigações. Em um canal de televisão, um psicólogo explica por que ficamos comovidos com a morte da menina (!), em outro, infográficos fazem a reconstituição do crime.
Não é necessário apontar o momento exato onde terminou a cobertura jornalística e começou show de entretenimento para notar que a forma como tem sido mostrado o “caso Isabella” é mais uma disputa pela audiência cheia de uma espécie de interesse mórbido e um elevado e controverso compromisso moral. Para a jornalista Malu Fontes, do jornal ATarde, “o caso transformou-se em um reality show ao vivo, em tempo real, onde o prêmio vai para o telespectador sedento de sangue e de punição precoce a qualquer custo do primeiro suspeito”. As notícias dialogam diretamente com a emoção do telespectador/leitor que, como num teatro ou num cinema, é convidado a chorar, rir, ou ter raiva dos personagens que aos poucos vão sendo apresentados.
É natural que notícias que tratam de tragédias que envolvam desrespeito a valores como a família provoquem as sensações da audiência, a julgar por casos como o de Suzane Von Richthofen (foto à esquerda), condenada por participar do assassinato dos próprios pais em outubro de 2002. Contudo é a forma através da qual são transmitidas as informações e, sobretudo, a exploração que se faz delas que determinam o sensacionalismo, e diferenciam jornalismo do showrnalismo.
Enquanto os repórteres espalham-se em frente à delegacia, ao prédio onde vivia Isabela, ao IML e em helicópteros que sobrevoam uma multidão que grita “assassinos!”, o público se reúne em comunidades do orkut, pela paz e por Isabella. Comoção que beira a realidade. Lágrimas que, ironicamente, parecem não ter sido derramadas por Adrielle, 3 anos, que morreu intoxicada por agrotóxicos usados por sua mãe para matar piolhos. Os jornais não choraram sua morte. Calma, leitor, não estou querendo despertar sua compaixão. Tampouco sugerir comparações, longe de mim.

Fernando Conceição, jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da UFBA, costuma dizer a inexperientes estudantes de jornalismo que os jornais vendem mais quando tem três “S”. Sexo, Sangue e eSporte. Para deixar mais claro a relação que os jornais tem com o capitalismo e a espetacularização, ele usa manchetes que, segundo ele, eram usadas pela chamada imprensa marrom paulista na década de 80. Uma delas, ainda segundo Conceição, teria sido a que intitula este texto, “Violada na platéia”, que, a despeito do que parece querer significar, se referia à notícia de um cantor que, depois de ter recebido vaias, deu com o seu violão em pessoas que o assistiam. Porque o espetáculo também precisa fazer rir.




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2 comentários:

Juniupaulo disse...

Vc sabe q está lendo um post insólito qdo vê referências a um musical e a dois crimes no mesmo texto (sem contar o acidente com os piolhos).

Tá massa, Vinícius.

Anônimo disse...

O texto está mto bom! A "Sociedade do Espetáculo" é realmente mto presente em nossos dias. Indicação de leitura: "Videologias" de E. Bucci e Maria Rita Kehl.

Parabens pelo blog!Mto criativo.

Fernanda Santana- SP